sexta-feira, 12 de março de 2010

O que ensinar para espanhóis e estrangeiros em Sevilha

Nascer na Europa não é um privilégio. Aqui tem pobreza, desigualdades sociais, corrupção, mentes pequenas e espíritos diminutos tanto quanto em solo Latino Americano. Espanhóis estão na Europa, no Velho Mundo, no âmago da cultura, blá blá blá, mas estão em desvantagem em relação a nós: não podem ser considerados como um povo que tira proveito das adversidades.

Se chove, os espanhóis reclamam. Se faz sol, reclamam. Se está frio, maldizem o tempo, o clima, o planeta. Se faz calor, dizem que a culpa é do governo. Ou seja, nunca estão contentes com nada, absolutamente nada.

E como são trágicos! Misericórdia! Pelo que notei não existe uma escala que mostre o quão desventuroso é algum fato - não há meio-termo: eles morrem por absolutamente qualquer coisa! Se o cão do vizinho da avó morreu, choram ininterruptamente durante uma semana e a dona passa o resto do ano vestida de preto. Quando o time da cidade perde, fazem escândalo e, como sempre, a culpa nunca é dos jogadores pernas-de-pau, mas sim do time oposto que deve ter feito um pacto com o demo para vencer a partida.

Nós, brasileiros, também temos nosso quinhão de alma trágica, mas nós seguimos em frente, passamos pelas adversidades. Os espanhóis, não. Eles gostam de sofrer, e chorar, e se lamentar... por qualquer coisa.

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Acho que eles precisam ver o lado clean da vida, esquecer um pouco o seu posto de "nação ancestral" e viver o hoje. Ter o passado sempre presente às vezes é uma sina, nada além . E esse país é a prova viva disso!

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Obviamente existem mais algumas coisas que, tanto espanhóis como turistas na Espanha devem aprender. A lista é grande, mas ater-me-ei apenas em alguns ensinamentos básicos e cruciais.
1-Nem todo estrangeiro é surdo.
2-Um idioma serve para que as pessoas se comuniquem e se entendam. Faça um bom uso de seu idioma, articule as palavras como elas são, não resmungue e não grite como uma senhora desprovida de discernimento.
3-Ter uma cadeira vazia ao lado não significa que você está convidado para beber junto. Peça licença, pegue a cadeira e vá beber com sua turma.
4-Você fuma. O cigarro é seu. Eu não fumo, por que o câncer de pulmão tem de ser meu?
5-Sim, uma argola dourada no dedo anular da mão esquerda significa que a pessoa é casada. Pra que perguntar?
6-A pia da cozinha foi feita apenas para lavar louças, nada (e quando eu digo nada, é nada mesmo!) além de louças.
7-Bicicleta é um meio de transporte ecologica e politicamente correto, que foram feitas para circular por vias específicas, e não sobre os pés das pessoas. Principalmente se as pessoas forem idosas.
8-Por mais que seja permitido, existem certas coisas que não devem, em hipótese alguma, serem jogadas no WC.
9-Banho diário não é um luxo, mas necessidade. Além disso não mata e faz bem pra saúde.
10-Existe uma infinidade de tipos e marcas de desodorante, é só escolher um e usar.
11-Sim, sou brasileira, mas no Brasil não existe somente carnaval, futebol e caipirinha. Por acaso todo espanhol é toureiro?

------------------ A Saga Andaluza -------------------------

Parte I
(em tom épico)

Queridos! Que saudade de vocês!!! Espero que tudo esteja resplandecente com o ardente sol fronteiriço.... mas motejeis, meus amigos, porque sobre vocês não pairam os pecados concupicientes do Velho Mundo e tampouco os maus augúrios dos verdugos ancestrais!

Eis que aportei justamente no seio incólume da matreirice contemporânea! Ontem, por exigência das circunstâncias capitalistas vi-me impelida a consultar meus humildes proventos através do ente pseudo-real conhecido pela alcunha de WWW. Pois em meio à sondagem de minha modesta condição material, subitamente, o tal doblevêdoblevêdoblevê negou-me tal ensejo! E o fez de modo tão brusco e inumano que tampouco aceitou replicações de minha indignada pessoa.E o maior despautério de todos: roubou-me, por um momento, o direito civil de usufruir do sacro ato de levantar bens do caixa-eletrônico.

Visualizem o contexto, camaradas... um ser humano, pecador consciente, submetido às mais variadas tentações do consumismo exacerbado... sem dinheiro. Pois este ser desaventurado era
eu. Imaginem, caríssimos: sem beca, sem proventos, sem efígies e tampouco cartão de crédito. Eu era o reflexo perfeito da miséria!

Desdita maior, irmãos, é o ato covarde das grandes cadeias de grife, que, justamente neste momento de fragilidade, expõem seus finos artigos à exclusão. Valentino, Chanel, Vitor Hugo, Balenciaga, Fendi...tudo! Tudo ao alcance apenas dos desejos de uma humilde (e desprevenida)
consumidora. Ai de mim! Agora me restavam apenas as belas imagens da prosperidade de antanho, além das sublimes paisagens andaluzes (pelo menos isso!)... apenas isso, e nada mais...

Mas, dado tempo ao tempo, desvendei a ordinária desfaçatez do gênero humano! Não é que, no
mesmo dia de minhas desventuras em série, uma rede internacional de piratas on-line foi veementemente desmascarada? Sim! Oh, sim! Todos aqueles cruéis carniceiros, invejosos da pujança de outrem urdiram vilanias impensáveis com o capital alheio, deixando milhares (senão alguns milhões) de pobres consumistas como eu, à mercê da frieldade inorgânica da insolvência.

Malditos! Mil vezes malditos!

Mas como ao Universo lhe foi outorgado o revoluteio ao infinito, eis que o nobre Atlas auxiliou-me, fazendo com que nosso orbe girasse mais depressa... Milagrosamente a bravata foi
desmascarada, os culpados tiveram seu momento de vergonha midiática, e tudo voltou ao seu curso normal. Mas, o melhor de tudo, meus amigos, é que eu podia novamente! Mais uma vez estava empoderada monetariamente! Até o sol brilhou mais intensamente naquele momento, e eu notei que, no exato instante de minha descoberta, seu brilho tremeluziu sutilmente e eu ouvi... sim, sim, naquele instante inócuo, ouvi! Um suave ruído como de harpas e arranjos quase doces tocados em alaúdes afinados por vozes de querubins... e a eles mesclava-se um murmúrio como cântico de anjos entoando uma ode, na qual pude, claramente, distinguir a palavra... "liquidação". Minhas preces foram ouvidas, e fui abençoada pelo panteão de entidades que palmilha os céus!

Mal sabia eu que uma simples loja havia se transmutado numa selva repleta de animais sedentos por consumir...

(Continua...)